POLÍCIA LEGISLATIVA E A CONSTRUÇÃO DO BRASIL
Artigo
O nosso belo e imenso País ainda não está acabado (nunca estará, por certo, vez que as sociedades são dinâmicas). Saímos de um Estado de Exceção de cunho militar que perdurou por 25 anos e fizemos (ou estamos ainda fazendo?) a transição para um Estado Democrático de Direito pelas mãos do Presidente Sarney. A coalisão de forças que proporcionou tal mudança continua ativa e dando as cartas no imenso tabuleiro político nacional. Surge uma classe política muito forte – o poder político é o mais forte de todos os poderes que atuam na sociedade; por isso que Montesquieu asseverou que o Poder Legislativo deveria ser mitigado em sua força pelo sistema de pesos e contrapesos. Fizemos, então, o caminho contrário do que estava posto anteriormente, partindo de um Estado Totalitário (forte) com um staff político fraco (Congresso Nacional garroteado) para um Estado Democrático (porém, fraco) com uma classe política extremamente forte. O filósofo e pedagogo Dermeval Saviani, inspirado no francês Louis Althusser, propõe a metáfora da Teoria da Curvatura da Vara: “quando a vara está torta, ela fica curva de um lado e se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É preciso curvá-la para o lado oposto”. Foi exatamente isso o que fizemos, curvamos a vara para o lado oposto, agora precisamos achar o equilíbrio e voltarmos a vara para o centro. Vai oscilar bastante, mas nós havemos de conseguir. Para isso, precisamos construir instituições fortes, sólidas e capazes de dar boas respostas à sociedade. As instituições devem durar, enquanto o poder político deve ser renovado. A própria palavra ‘ESTADO’ (que tem origem em estátua, as estátuas dos grandes césares romanos) guarda esse sentido de perenidade e de estabilidade.
É esse o papel fundamental da Polícia Legislativa Federal o de contribuir para o fortalecimento das Instituições do Estado. Desde a primeira Constituição, que inaugurou o Brasil, a do Império, outorgada em 1824 por D. Pedro I é que surge a função policial do Poder Legislativo. Todas as outras Constituições a copiaram. Nenhum outro Legislador Constitucionalista entendeu diferente, que o poder de polícia fosse exclusividade do Executivo, por exemplo. O sentido amplo do poder de polícia permite o entendimento de que não se restringe ao Poder Executivo. No entendimento de Celso Bandeira de Mello: “A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se poder de polícia. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo.” O uso escalonado da coercitividade (violência) associado ao poder de polícia, que é monopólio do Estado segundo Max Webber, estende-se aos três poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário. Não podemos esquecer que o Estado brasileiro é Uno e que essas divisões existem apenas para que ele seja operacionalizado de forma efetiva e para que haja equilíbrio entre as forças atuantes. A Constituição Cidadã de 1988 manteve a competência privativa à Câmara dos Deputados (artigo 51, inciso IV/CF) e ao Senado Federal (artigo 52, inciso XIII/CF) de dispor sobre a sua polícia. Destarte, a Polícia Legislativa Federal não está usurpando nenhum poder quando atua em suas demandas policiais; pois que tal atuação não é exclusividade de ninguém, mas, antes, função institucional do Estado brasileiro.
A Polícia Legislativa Federal pode agir como polícia judiciária? Pode e o tem feito com grande êxito ao longo desses anos. Desde o primeiro inquérito instaurado pela Mesa Diretora do Senado Federal no caso do assassinato do Senador José Kairala pelo pai do Senador Fernando Collor, o senador Arnon de Mello, em 1963. Os advogados de defesa tentaram desqualificar a prisão e o inquérito alegando falta de competência do Senado Federal, presidido à época pelo senador Auro de Moura. Contudo, a Corte Suprema não aceitou o Habeas Corpus interposto pela defesa e o Ministro Victor Nunes, proferiu seu relatório:
“...o regimento interno das câmaras legislativas, no que toca à própria polícia, tem força de lei, pois essa prerrogativa lhes foi atribuída com caráter de exclusividade pelo art. 40 da Constituição. Do mesmo modo, as resoluções das câmaras sobre o regime do seu funcionamento têm força de lei, e contra elas não se pode opor uma lei geral, por ser inatingível, pelo legislador ordinário, a prerrogativa que a Constituição concedeu a cada uma das câmaras, isoladamente. Por igual razão, no tocante ao policiamento interno das Casas do Congresso, o regimento tem força de lei formal, porque assim o quis o próprio legislador constituinte zeloso da independência dos poderes.”
Passando pela Súmula nº 397 – 03/04/1964 do Supremo Tribunal Federal: O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão do acusado e a realização do inquérito. Culminando em inúmeros outros inquéritos enviados, aceitos e, até mesmo elogiados pelo seu primor e rigor técnico, pelo Poder Judiciário.
A Polícia Legislativa Federal pode diligenciar investigações policiais em outros Estados? Pode, pois que o crime não respeita fronteiras. Se um ilícito penal extrapola os limites do Congresso Nacional, o dever da polícia é ir seguindo esse liame até o seu desenrolar final, além disso, trata-se de uma polícia de âmbito federal. Mutatis mutandis, se a Polícia Civil do Distrito Federal faz investigações e prisões em outros Estados, apenas por estar fundeada na Capital Federal e por ser mantida com recursos federais; por que a Polícia Legislativa Federal não pode ir a outro Estado buscando solucionar as suas investigações legais? A Resolução nº59/SF, 2002, que dispõe sobre o poder de polícia do Senado Federal, institui em seu artigo 2º, § 1º as atividades típicas de Polícia do Senado Federal, dentre elas: VI – as de revista, busca e apreensão; VIII – as de registro e de administração inerentes à Polícia; IX – as de investigação e de inquérito. No mesmo sentido a Resolução n 18º, 2003, da Câmara dos Deputados, em seu artigo 3º enumera as atividades típicas de Polícia da Câmara dos Deputados: VI - a revista, a busca e a apreensão; VII - as de registro e de administração inerentes à Polícia; VIII - a investigação e a formação de inquérito.
A Polícia Legislativa Federal pode dar proteção a Senadores em outros Estados da Federação? Não apenas pode como tem o dever legal de fazê-lo. É o que preceitua a Resolução nº 59 de 2002 do Senado Federal e a Resolução nº 18 da Câmara Federal: a segurança dos Senadores (Deputados Federais) e de servidores em qualquer localidade do território nacional e no exterior, quando determinado pelo Presidente do Senado Federal (Presidente da Câmara dos Deputados). Não se está aqui entrando na área de atuação da Polícia Federal no que tange a sua função de Polícia da União. O parlamentar é livre para escolher a proteção que lhe aprouver. A malha de proteção, nesse caso, é aumentada, não há prejuízos e todos os órgãos concorrem para a pacificação social.
A nossa incipiente Democracia, ou redemocratização como querem outros, precisa de Instituições fortes e consolidadas. É assim nas grandes democracias pelo mundo afora. Quando todas as Instituições estiverem cientes de seu papel na grande construção do Brasil então teremos espaço para os grandes debates nacionais, que por ora não conseguem avançar – reformas políticas, fiscais, eleitorais, et caterva; todas no sentido de se fazer um país mais democrático, moderno e garantidor de direitos fundamentais. A Polícia Legislativa Federal pede apenas para ser coadjuvante, com a sua humílima, porém substancial, ajuda nessa caminhada histórica.
Antônio Vandir de Freitas Lima
Policial Legislativo Federal
Vice-Presidente da APCN – Associação da Polícia do Congresso Nacional
Bacharel em Direito
Especialista em Inteligência Estratégica